Foi publicada, no dia 29 de dezembro de 2023, a Lei Complementar nº 204/2023, que veda a incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e regulamenta a transferência dos créditos de ICMS relativos às operações e prestações anteriores.
A nova legislação, que entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024, introduz alterações que passam a integrar a nova redação do artigo 12, §4º e incisos, da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir).
Seguindo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 49, a nova redação do artigo 12, §4º e incisos, da LC nº 87/1996 (Lei Kandir), alterada pela LC nº 204/2023, estabelece que “não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte”.
No que diz respeito às transferências interestaduais, os créditos serão assegurados da seguinte maneira:
• pela unidade federada de destino, por meio de transferência de créditos, limitados às alíquotas interestaduais em vigor, que serão aplicadas sobre o valor atribuído à transferência realizada; e
• pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos decorrentes das operações anteriores e os transferidos ao estabelecimento de destino.
A lei complementar também revogou o § 4° do artigo 13 da Lei Kandir, que estabelecia critérios para a definição da base de cálculo nas saídas em transferência (dispositivo também declarado inconstitucional pelo STF).
É relevante destacar, ainda, que a LC nº 204/2023 foi sancionada com veto parcial por parte do Presidente da República, que rejeitou a alteração proposta para o artigo 12, §5º, da Lei Kandir.
O texto vetado dispunha sobre a discricionaridade dos contribuintes quanto à possibilidade de equiparar as operações de transferência de mercadoria entre os seus estabelecimentos a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador do ICMS, o que possibilitaria o aproveitamento de créditos com as alíquotas estaduais em operações internas ou alíquotas interestaduais em deslocamentos entre diferentes estados.
Motivada pela dificuldade de fiscalização tributária sobre as transferências equiparadas e pelo receio de que gerassem evasão fiscal, a decisão de veto terá forte impacto para os contribuintes que dependem de fato gerador do ICMS nas saídas para manutenção de benefícios fiscais.
Contudo, a manutenção ou rejeição desse veto presidencial ainda depende de deliberação dos deputados e senadores, em sessão conjunta do Congresso Nacional, que ocorrerá na volta do recesso parlamentar (02/02/2024).
Outro ponto a ser mencionado é que o Convênio ICMS 178/2023, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), ainda está em vigor e estabelece, entre outras disposições, a obrigação de transferência dos créditos do ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino nas transferências interestaduais.
Além disso, no contexto da ADC 49, foram apresentados novos Embargos de Declaração nos autos, com o propósito de obter uma manifestação da Suprema Corte sobre a natureza obrigatória ou facultativa da transferência de créditos de ICMS nas operações de remessas de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte. Esses embargos estão atualmente aguardando julgamento.
Dessa forma, a publicação da Lei Complementar nº 204/23 proporciona uma certa segurança jurídica em relação à não incidência do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, no entanto, ainda suscita algumas controvérsias e deixa lacunas legais significativas, como, por exemplo:
• Se a transferência dos créditos é obrigatória ou facultativa;
• Qual será o critério para a definição da base de cálculo nas saídas em transferência;
• A incerteza de aplicação de incentivos fiscais nas transferências, especialmente após o veto do § 5° do artigo 12 da Lei Kandir; e
• A necessidade de avaliação da constitucionalidade dos dispositivos do Convênio nº 178/2023.
Certo é que as mudanças introduzidas pela Lei Complementar nº 204/23 podem ser passíveis de críticas, considerando as controvérsias surgidas e as lacunas a serem preenchidas, conforme mencionado anteriormente.
Destacamos que a FH Associados permanece à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas às recentes alterações da legislação.
Julia Domingos Trojan
Advogada – Direito Tributário
Pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP)
Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)