STF DECIDE QUE DIFAL DO ICMS PODE SER COBRADO A PARTIR DE 05 ABRIL DE 2022

Na última quarta-feira (29/11), o plenário físico do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7066, 7075 e 7078, que versam sobre o início da vigência da Lei Complementar (LC) nº 190/2022.

A mencionada Lei Complementar regulamentou a cobrança diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS em operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto, tendo sido publicada em 5 de janeiro de 2022.

Na ocasião, os ministros do STF decidiram, por uma estreita margem de seis votos a cinco, que o Difal do ICMS nas operações acima descritas pode ser cobrado pelos Estados a partir de 5 de abril de 2022. A maioria dos magistrados concluiu que a Lei Complementar nº 190/2022 deve observar somente a anterioridade nonagesimal para começar a produzir efeitos.

A decisão contraria as expectativas dos contribuintes, que esperavam que a validação da cobrança ocorresse apenas a partir de 2023, levando em consideração tanto a anterioridade nonagesimal quanto a anterioridade anual. Vale ressaltar que, no plenário virtual, onde o julgamento teve início, o placar inicial estava favorável às empresas, com cinco votos a favor e três contra.

 

Entenda o Caso

No contexto do Difal do ICMS cobrado em operações envolvendo mercadorias destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto em outro estado, cabe ao fornecedor do bem ou serviço a responsabilidade de recolher integralmente o imposto e repassar ao estado do consumidor final o Difal do ICMS – isto é, a diferença entre a alíquota interna do estado de origem e a alíquota interestadual.

A possibilidade de cobrança desse diferencial foi introduzida na Constituição pela Emenda Constitucional (EC) nº 87/2015 e posteriormente regulamentada pelo Convênio ICMS nº 93/2015, editado pelo CONFAZ.

Entretanto, em 2021, o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469 e do Recurso Extraordinário nº 1.287.019 (Tema 1093 da Repercussão Geral), declarou inconstitucionais cláusulas do Convênio ICMS nº 93/2015 e determinou que, a partir de 1º de janeiro de 2022, o tema deveria ser regulamentado por meio de lei complementar.

Embora a Lei Complementar nº 190/2022 tenha resolvido essa lacuna, o fato de ter sido sancionada e publicada apenas em janeiro de 2022 gerou um debate sobre o momento em que passaria a produzir efeitos, ou seja, a partir de quando os Estados poderiam cobrar o tributo.

Isso se deve ao fato de a Constituição Federal estabelecer que, na criação ou na majoração de tributo, deverão ser respeitados os princípios de anterioridade de exercício (ou anual) e nonagesimal (ou noventena). Esses princípios impedem que os Estados cobrem o tributo no mesmo exercício financeiro e antes de decorridos noventa dias da data de publicação da lei que o instituiu ou aumentou.

Diante desse cenário, foram apresentadas à Suprema Corte as ADIs 7066, 7075 e 7078. Em suma, esses processos abordam a questão crucial de quando se iniciará a cobrança do Difal do ICMS: se em 2022, de acordo com a preferência dos Estados, ou em 2023, como sustenta o contribuinte. Salienta-se que no Judiciário existem decisões favoráveis a ambas as posições.

 

Deve ser observada a anterioridade nonagesimal, decide maioria

No julgamento concluído nesta quarta-feira (29/11) no plenário físico do STF, prevaleceu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.

Vale lembrar que no plenário virtual, o magistrado havia assentado que no caso da LC 190/22 não se trata de instituição de um novo tributo e, portanto, não está sujeita aos princípios de anterioridade anual e nonagesimal. Na realidade, o que ocorreu foi a aplicação de uma "técnica fiscal de distribuição de receitas entre entes federativos sem impacto econômico tributário para os contribuintes". Desse modo, havia votado para declarar a inconstitucionalidade do artigo 3º da LC 190/22, que estabelece expressamente a necessidade de observar a noventena.

Contudo, o ministro modificou sua posição em relação ao voto expresso durante as deliberações no plenário virtual e, agora, no plenário físico, defendeu a constitucionalidade do artigo 3º da LC 190/22.

Em outras palavras, para o relator, o Difal do ICMS, em princípio, não estaria sujeito à noventena ou à anterioridade anual, mas é legítima a opção do legislador em definir a observância da noventena

Com a mudança de posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli ajustou seu voto para acompanha-lo integralmente. No plenário virtual, Toffoli tinha discordado parcialmente de Moraes, justamente para validar o artigo 3º da LC 190/22.

Além disso, os ministros Nunes Marques, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso também acompanharam o relator.

 

Divergência

Dessa forma, a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin no plenário virtual, e reafirmada no plenário físico, restou vencida. Segundo o ministro, a LC 190/22 deve observar tanto a anterioridade anual quanto a nonagesimal, o que resultaria na autorização da cobrança do Difal do ICMS apenas a partir de 2023.

Para o magistrado, foi o próprio STF que estabeleceu a necessidade de regulamentação do Difal por meio de lei complementar para permitir sua cobrança. Essa regulamentação, observa, foi realizada por meio da LC 190/22. Mesmo sem afirmar explicitamente que essa lei complementar institui um novo tributo, Fachin enfatiza que ela atende a uma decisão do STF que demandava a regulamentação do tema e, portanto, deve estar em conformidade com a Constituição, inclusive respeitando as anterioridades anual e nonagesimal.

O ministro destacou de maneira clara: “Há um fato jurídico inequívoco. A lei complementar editada por decorrência de julgamento deste tribunal [cuja ausência] obstava a exigibilidade do tributo entra em vigor em 2022”. Em outras palavras, como foi a LC 190/22 que autorizou a cobrança do tributo, ela deve respeitar as anterioridades.

Além disso, ressaltou que o artigo 3ª da LC 190/22 definiu expressamente a observância do artigo 150, III, alínea “c”, da Constituição Federal, que trata da noventena. Esse dispositivo, por sua vez, faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, que prevê o respeito à anterioridade anual.

O voto do ministro Edson Fachin foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

 

Possíveis cenários para o contribuinte

A demora no julgamento das ADIs resultou em três cenários distintos para o contribuinte: há aqueles que efetuam o pagamento do tributo desde 2022, outros que optaram por depósito judicial e ainda aqueles que não realizaram o pagamento, reduzindo os preços das mercadorias.

É importante destacar que o STF não discutiu a possibilidade de modular os efeitos da decisão para impedir que a Receita Federal cobre valores não pagos no passado. Por isso, essa questão ainda pode ser questionada na Corte por meio de embargos de declaração.

 

 

 

  Julia Domingos Trojan
• Advogada – Direito Tributário

• Pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP)
• Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

• Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)