A questão da incidência de ICMS na transferência de mercadorias é debatida há anos. Do ponto de vista jurídico-tributário, essa movimentação física de matéria-prima entre estabelecimentos da mesma empresa é considerada pelo fisco estadual como hipótese de incidência do imposto.
Entretanto, como a questão já era debatida, já existiam súmulas e temas sobre o assunto, inclusive destacando o fato de que seria indispensável que deveria haver transferência de titularidade sobre o bem para a incidência do imposto:
Súmula 166: Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
Tema 259 STJ (RECURSO REPETITIVO): Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
Tema 1.009 do STF: Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.
Somado a isso, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) que possibilitava a cobrança do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica[1]:
Em seu voto, o Ministro Edson Fachin manifestou-se pela improcedência do pedido, apontando inclusive que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é de que a circulação física de uma mercadoria não gera incidência do imposto, vez que não há transmissão de posse ou propriedade dos bens.
Contudo, a decisão acima somente terá eficácia a partir do exercício financeiro de 2024[2], conforme a modulação de efeitos do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49.
E, em um novo capítulo sobre a questão, em 01 de novembro de 2023 foi publicado no Diário Oficial da União o Convênio ICMS nº 174 de 31 de outubro de 2023, dispondo sobre a remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
Conforme estipulado pelo Convênio, na remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade será obrigatória a transferência de crédito do ICMS do estabelecimento de origem para o de destino, observando os procedimentos de que se tratam o convênio.
Contudo, uma observação a ser feita é que tal obrigatoriedade pode acarretar em um desequilíbrio no fluxo de caixa da empresa, considerando que em determinado Estado pode haver pouco ICMS a ser pago e no outro o valor pode ser significativamente mais elevado.
Assim, dependendo do Estado e do montante de imposto a ser pago, o contribuinte poderá se deparar com a situação em que há excesso de crédito em um estado e falta em outro, impondo-se à empresa a necessidade de dispender valores para saldar o ICMS devido.
Além disso, o imposto a ser transferido será lançado a débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante o registro do documento no Registro de Saídas e a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no Registro de Entradas.
Já a cláusula terceira do Convênio dispõe que a transferência do ICMS entre estabelecimentos de mesma titularidade, será procedida a cada remessa, mediante consignação do respectivo valor na Nota Fiscal eletrônica – NF-e.
O imposto a ser transferido corresponderá ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, sobre os valores dos bens e mercadorias: I – valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; II – custo da mercadoria produzida e III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção.
Por fim, destaca-se a previsão de que a utilização da sistemática prevista neste convênio implica no registro dos créditos correspondentes ao ICMS a que tenha direito o remetente, mas não importa em cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem, conforme cláusula sexta, incisos I e II.
O Convênio ICMS nº 174/2023 entrou em vigor em 01.11.2023 e passará a produzir efeitos em 1º de janeiro de 2024.
Yngrid de Melo Costa Silva
• Advogada – Direito Tributário e Direito da Família e Sucessões
• Pós-graduanda em Direito da Família e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST)
• Bacharela em Direito pela Universidade Positivo (UP)
[1] Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=464511&ori=1>
[2] Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=505933&ori=1>