O princípio da não cumulatividade tem como objetivo evitar a ocorrência da tributação sobre o mesmo valor em várias etapas de uma cadeia produtiva. Isso é alcançado através de mecanismos de compensação na escrita fiscal ou pelo ressarcimento. Com esse enfoque, os impostos pagos nas fases anteriores podem ser compensados, o que garante que o tributo seja aplicado somente sobre o valor adicionado em cada etapa do processo produtivo.
Atualmente, o sistema tributário brasileiro permite que as empresas acumulem créditos de impostos indiretos, como o ICMS e o IPI. No entanto, o atual modelo brasileiro é de cumulatividade parcial. Assim, alguns setores da economia continuam pagando em cascata. Outros pagam por valor adicionado em cada etapa da cadeia (pagam sobre o valor acrescentado sobre o preço anterior), mas contam com isenções ao longo das etapas que resultam em maior tributação ao fim da cadeia.
Com a Reforma Tributária e a substituição dos atuais tributos que incidem sobre o consumo, como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) seguindo o modelo do Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) dual, busca-se assegurar a implementação da não cumulatividade “plena”, em consonância com o sistema adotado por numerosos países ao redor do mundo.
No modelo de IVA dual proposto pela PEC 45/2019, a cada incidência do imposto, quando for feita uma operação entre contribuintes, ocorrerá o reembolso integral do tributo na forma de crédito. Isso significa que, por exemplo, quando um varejista adquire produtos de um produtor, ele receberá um crédito correspondente ao imposto pago na etapa anterior, que poderá ser abatido na etapa seguinte.
Desse modo, o tributo é calculado apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva, permitindo uma compensação integral dos tributos pagos nas etapas anteriores. Isso torna o sistema mais simplificado e eficiente, evitando distorções setoriais, eliminando as nuances preconizadas pelas legislações de cada tributo sobre o consumo, e eliminando a chamada "cascata de tributos" ao longo da cadeia produtiva.
Portanto, com a Reforma Tributária em andamento, haverá mudanças significativas na forma como os créditos acumulados são tratados. Durante o período de transição, os contribuintes enfrentarão um cenário misto, com regras do sistema antigo e do novo coexistindo.
Uma das questões que a Reforma Tributária enfrenta é como garantir que os créditos, principalmente de ICMS, acumulados ao longo de décadas, poderão ser integralmente utilizados com o novo sistema. Uma preocupação é que esses valores possam se perder se o modelo de transição não for bem arquitetado e, posteriormente, colocado em prática.
Nesse cenário, é importante ressaltar que o texto aprovado ainda não define o prazo e o método para o crédito no novo modelo, o que será determinado durante a discussão da lei complementar, a ser editada após a reforma. A maior expectativa é que o novo sistema represente uma mudança significativa no modelo atual de créditos, permitindo seu uso sem complicações ou prazos prolongados.
Sabe-se, porém, que durante o período de transição, previsto para acontecer com mudanças graduais entre 2026 e 2032, as empresas poderão continuar acumulando créditos sob as regras antigas, mas gradualmente serão introduzidas mudanças que visam simplificar e modernizar o sistema.
Além disso, como exceção ao princípio em debate, vale mencionar que o Imposto Seletivo (IS), introduzido pela PEC 45/2019, não deve aderir ao modelo de não cumulatividade “plena”, acarretando a acumulação de impostos ao longo da cadeia.
O texto também estabelece que a não cumulatividade "plena" não se aplicará às isenções e imunidades (com exceção das exportações), o que implica na anulação de créditos relacionados a operações anteriores, a menos que uma lei complementar determine o contrário.
No que diz respeito à isenção das exportações e à acumulação de créditos para exportadores, ao adotar o princípio de tributação no destino, a Reforma Tributária preserva essa isenção e aponta que uma lei complementar irá regulamentar o mecanismo de ressarcimento de créditos acumulados neste contexto.
Esses pontos em aberto geram incertezas quanto ao poder de regulamentação concedido ao legislador complementar. Como se vê, a implementação de um sistema de não cumulatividade plena, como o IVA dual, requer uma estrutura tributária sólida e bem coordenada, além de uma administração eficiente para garantir o cumprimento adequado das regras.
Ademais, a transição de um sistema tributário estabelecido para a adoção do IVA dual proposto pode ser complexa e requer planejamento cuidadoso para evitar impactos negativos na economia, especialmente em relação à tão desejada não cumulatividade plena.
É crucial que as empresas acompanhem as mudanças e se adaptem a elas à medida que a transição ocorre. Em última análise, a Reforma Tributária busca criar um ambiente tributário mais justo e favorável aos negócios, e compreender o tratamento de créditos acumulados é fundamental para aproveitar os benefícios desse novo sistema. Em resumo, garantir a não cumulatividade na prática é essencial para tornar o ambiente de negócios mais atrativo, promovendo o crescimento econômico e a geração de empregos no país.
Robertta Probst Marcondes de Albuquerque
• Advogada Direito Tributário
• Pós-graduada em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP)
• Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Curitiba
Julia Domingos Trojan
• Advogada – Direito Tributário
• Pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP)
• Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
• Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)