No dia 12 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o esperado julgamento dos Embargos de Declaração na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, confirmando que a decisão que declarou a inconstitucionalidade da incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, na mesma unidade federada ou em unidades diferentes, terá efeito somente a partir do exercício financeiro de 2024. O resultado foi proclamado na última quarta-feira (19) durante sessão presencial no plenário.
Por maioria de votos, o colegiado decidiu modular os efeitos da decisão proferida em 2021 na ADC 49. Naquela decisão, foi julgado improcedente o pedido do Estado do Rio Grande do Norte, e como consequência, declarou-se a inconstitucionalidade dos artigos 11, parágrafo 3º, inciso II, 12, inciso I (no trecho "ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular") e 13, parágrafo 4º da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996).
Segundo o entendimento do STF, a simples circulação física de mercadoria não gera incidência de ICMS, uma vez que não há transmissão de posse ou propriedade dos bens. Dessa forma, o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura circulação jurídica, a qual geraria obrigação tributária. Assim, a cobrança de ICMS nessas operações é considerada inconstitucional.
O Estado do Rio Grande do Norte opôs Embargos de Declaração em face da decisão, argumentando que houve omissão quanto à manutenção dos créditos acumulados pelo contribuinte durante a operação de entrada de mercadorias, uma vez que, na etapa subsequente, a mercadoria não será tributada pelo ICMS. Além disso, afirmou a necessidade de modulação dos efeitos da decisão, já que a aplicação imediata poderia ter consequências financeiras significativas para os estados.
Em 12/04/2023 a Corte Superior adotou, por seis votos a cinco, a tese proposta pelo Relator, Ministro Edson Fachin, e julgou procedentes os embargos para que a decisão que declarou a inconstitucionalidade da incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte tenha eficácia pró-futuro, a partir de 1º de janeiro de 2024, ressalvando, no entanto, os processos administrativos e judiciais em andamento até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito na ADC 49, ou seja, até 29 de abril de 2021.
No mesmo prazo, os estados devem estabelecer regras para a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular. Caso o prazo seja exaurido sem que haja a regulamentação, fica reconhecido o direito dos contribuintes de transferirem tais créditos.
Ademais, também concluiu que a decisão não afasta o direito ao crédito da operação anterior, os quais podem ser mantidos, ante a observância do princípio da não cumulatividade.
O voto do Rel. Min. Edson Fachin foi seguido pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Por outro lado, a posição apresentada pelo Ministro Dias Toffoli, que defendia a eficácia da decisão de mérito após dezoito meses contados da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração, foi vencida. O magistrado foi acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Nunes Marques e André Mendonça.
Embora não tenha sido alcançado o quórum de oito votos necessários para a modulação de efeitos em decisões de controle concentrado de constitucionalidade, na sessão realizada em 19/04/2023 o STF se posicionou no sentido de que houve unanimidade quanto à necessidade de modulação, uma vez que a divergência proposta pelo Ministro Dias Toffoli (eficácia após dezoito meses) acabou por incluir a modulação proposta pelo voto vencedor do Ministro Edson Fachin (eficácia no próximo exercício financeiro - 2024). Em outras palavras, todos os Ministros concordaram que a decisão deveria ser modulada, mas divergiram quanto aos termos da modulação, e nesse aspecto, a proposta do Ministro Fachin obteve maioria.
Em termos práticos, a decisão da Corte manteve o entendimento do voto vencedor do Ministro Edson Fachin quanto à modulação dos efeitos da decisão de mérito na ADC 49.
Essa decisão é particularmente significativa para as empresas varejistas que frequentemente enviam mercadorias para filiais em outros estados e, antes dessa decisão, eram obrigadas a arcar com o pagamento do ICMS nessas operações.
Julia Domingos Trojan
• Advogada – Direito Tributário
• Pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP)
• Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
• Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)