No último dia 11/10, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, por unanimidade, o direito ao aproveitamento de crédito de ICMS decorrente da compra de materiais usados no processo produtivo, inclusive os que são consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovado o uso para realização do objeto social (atividade-fim) da empresa (EAREsp n° 1.775.781/SP).
Como se sabe, o direito de creditar-se do ICMS anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, é admitido pelo artigo 20 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir). Contudo, a interpretação do referido dispositivo virou alvo de disputa entre Fisco e contribuintes.
A controvérsia jurídica decorre da classificação estabelecida pelo Fisco, que considera como insumos os ingredientes ou materiais consumidos durante o processo de produção, sendo incorporados ao produto final ou utilizados instantaneamente no curso do processo de industrialização. Logo, as mercadorias ou os produtos utilizados no processo de industrialização que não são totalmente consumidos nem se incorporam ao produto final não geram direito ao creditamento do ICMS para o Fisco.
Nesse contexto, vale destacar que uma das maiores disputas entre os Fiscos estaduais e os contribuintes envolve a delimitação do direito ao crédito de ICMS, garantido pelo princípio da não cumulatividade (artigo 155, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal). Na prática, há debates sobre os critérios apropriados para a qualificação de certos itens como "insumos", elegíveis para gerar créditos que possam ser compensados por industriais, revendedores e prestadores de serviços de transporte e comunicação.
Após a judicialização do tema pela usina Pedra Agroindustrial S/A, o entendimento do Fisco foi mantido em todas as instâncias, incluindo a 2ª Turma do STJ. No entanto, a 1ª Turma do STJ possui um posicionamento divergente, permitindo o aproveitamento de créditos de ICMS para produtos intermediários. Diante desse cenário, o contribuinte opôs Embargos de Divergência, e os autos foram encaminhados à 1ª Seção do STJ para a resolução do conflito, por meio do EAREsp n° 1.775.781/SP.
No julgamento do referido Embargos de Divergência, a relatora, a ministra Regina Helena Costa, propôs pacificar a questão pela posição assumida pela 1ª Turma, no sentido de que o direito ao creditamento existe quando comprovada a necessidade do uso de produtos intermediários para a atividade-fim do contribuinte.
A ministra ainda destacou que, a esse creditamento, não incide a limitação temporal do artigo 33, inciso I, da Lei Kandir. A regra diz respeito ao crédito de ICMS de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, cujo crédito só pode ser aproveitado a partir de 2033.
Como consequência, a 1ª Seção determinou o retorno do caso para que o Tribunal de Justiça de São Paulo examine os pedidos do contribuinte, que não chegaram a ser analisados por conta da posição anteriormente adotada.
Certamente, essa decisão é de extrema relevância, especialmente devido aos impactos diretos que terá na redução da carga tributária dos contribuintes no que diz respeito à aquisição de materiais e produtos utilizados no processo produtivo.
Entretanto, é importante lembrar que as decisões do Superior Tribunal de Justiça proferidas em embargos de divergência não possuem a mesma eficácia vinculante que os Temas Repetitivos dessa Corte e de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal. Portanto, embora essa decisão uniformize a jurisprudência do STJ, ainda poderá haver debates nas instâncias originais sobre o assunto.
Cumpre ressaltar, por fim, que para fazer jus ao creditamento, segundo a tese firmada, os contribuintes deverão comprovar a necessidade da utilização dos materiais/produtos para a realização do objeto social da empresa.
Julia Domingos Trojan
• Advogada – Direito Tributário
• Pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP)
• Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
• Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)