Em maio de 2023, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deliberou de forma unânime que a prescrição intercorrente de três anos é aplicável nos casos de descumprimento de obrigações acessórias, especificamente quando há a imposição de multa devido à falta de prestação de informação ao Siscomex dentro do prazo legal.
Essa decisão tem como fundamento a natureza aduaneira, ou seja, não tributária, da multa em comento, tornando assim aplicável o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei nº 9.873/99[1] (Recurso Especial nº 1.999.532/RJ).
De acordo com esse parágrafo, o crédito deixará de ser exigível quando o processo ficar paralisado por mais de três anos devido à falta de ação por parte da autoridade competente para julgá-lo.
No caso em análise, a ministra Regina Helena Costa, relatora do processo, argumentou que "as multas em questão possuem natureza estritamente administrativa, uma vez que decorrem de violações às normas que não têm ligação direta com a fiscalização e a cobrança do Imposto de Exportação. Este imposto é verificado e pago antes da autorização para o embarque das mercadorias."
Assim, uma vez que o pagamento do Imposto de Exportação ocorre antes da autorização de embarque das mercadorias, é possível concluir que eventual descumprimento de obrigação instrumental após esse estágio não possui caráter tributário, porquanto não guarda relação direta com a fiscalização ou arrecadação de tributos incidentes na operação de exportação previamente quitados, mas, sim, com o controle da saída de bens econômicos do território nacional.
A decisão proferida diverge do entendimento que tem sido adotado pela Receita Federal do Brasil (RFB) e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Ambos sustentam a manutenção das multas, argumentando que estas têm uma natureza jurídica tributária, razão pela qual a prescrição intercorrente não se aplicaria a este caso.
A problemática surge devido ao artigo 5º da Lei nº 9.873/99, o qual estipula que as normas de prescrição ali mencionadas não se aplicam "aos processos e procedimentos de natureza tributária". Com base nessa disposição, foi criada a Súmula CARF nº 11, firmando o entendimento de que "a prescrição intercorrente não se aplica ao processo administrativo fiscal".
Logo, torna-se essencial verificar se a multa foi imposta em virtude do exercício do poder de polícia inerente ao órgão da Administração responsável por infrações à legislação aduaneira ou se decorreu do não cumprimento de uma obrigação de natureza tributária. Aqui, vale destacar que o Direito Aduaneiro possui autonomia em relação ao Direito Tributário.
Nota-se que, enquanto a competência aduaneira se concentra na proteção do mercado nacional, na segurança das fronteiras por meio do controle das transações comerciais internacionais e na administração das zonas aduaneiras – ou seja, no controle aduaneiro –, a competência tributária tem como foco principal a arrecadação de tributos para o financiamento do erário, conforme previsto nas normas jurídicas tributárias.
Dessa forma, apesar de as multas aduaneiras estarem sujeitas ao processo administrativo fiscal, no caso de penalidades administrativas de natureza não-tributária, apuradas no exercício do poder de polícia da Administração Aduaneira, é possível aplicar a Lei nº 9.873/1999 no que diz respeito ao instituto da prescrição, afastando, assim, a disciplina jurídica estabelecida no Código Tributário Nacional.
Portanto, embora a decisão proferida pela Corte Superior no Resp nº 1.999.532/RJ não tenha caráter vinculante, ela se destaca como um precedente de grande relevância para pessoas físicas e jurídicas que atuam no comércio exterior. Isso ocorre porque a decisão evidencia a consolidação da interpretação de que as regras de prescrição estipuladas na Lei nº 9.873/99 são aplicáveis às penalidades de natureza administrativa aduaneira, mesmo quando constituídas em procedimentos sujeitos ao processo administrativo fiscal federal.
Essa interpretação pode desempenhar um papel crucial em processos que discutem a legalidade de multas administrativas aduaneiras, inclusive a imposição da multa substitutiva da pena de perdimento.
Por fim, ressaltamos que a FH Associados está à disposição para fornecer esclarecimentos e oferecer assistência nesses assuntos.
[1] Art. 1° prescreve em cinco anos a ação punitiva da administração pública federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. §1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivadosde ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração de responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caos.
Julia Domingos Trojan
• Advogada – Direito Tributário
• Pós-graduanda em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP)
• Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
• Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)